Maple Bear João Pessoa
/
set 30, 2024A leitura é uma atividade solitária, mas não precisa ser
AUTOR
Dapheny Leandro
ASSUNTO
Educação
TEMPO DE LEITURA
5 min
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Maple Bear João Pessoa
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set 30, 2024AUTOR
Dapheny Leandro
ASSUNTO
Educação
TEMPO DE LEITURA
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Não é incomum que quando o assunto seja a leitura alguém fale que “crianças e adolescentes brasileiros não leem”. Mais do que uma impressão ou uma afirmação baseada no senso em comum, esse fato é confirmado, pelo menos em parte, por pesquisas, como, por exemplo, a pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, Itaú Cultural e IBOPE Inteligência (2020). Essa pesquisa ouviu 8076 entrevistados compreendidos entre 11 e 17 anos e considerou como leitor aquele que leu inteiro, ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Segundo levantamentos dessa pesquisa, nesse recorte específico de leitores, houve um decréscimo de 20% em relação aos últimos dados (2015).
A pesquisa ainda revelou que a faixa etária com melhores índices de leitura é a de 5 a 10 anos, que compreende o primeiro ciclo do ensino fundamental. Segundo Teresa Colomer, professora de leitura e literatura na Universidade de Barcelona, as crianças mais velhas e os adolescentes perdem o interesse pela leitura progressivamente e os fatores que colaboram para isso são que o tempo para leitura literária em sala de aula vai reduzindo progressivamente com o avanço dos ciclos escolares, assim como o incentivo dos pais à leitura. Se crianças menores são estimuladas com idas às livrarias, compra de livros interativos e momentos de leitura com os pais e nas escolas, principalmente, na partilha com os colegas, quando essas crianças crescem, esses momentos de leitura compartilhada ficam cada vez mais espaçados ou inexistentes.
Uma outra pesquisa realizada pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidência no Debate Educacional) em parceria com a plataforma gamificada de leitura, Árvore, conhecida de nossos alunos, constatou que o maior texto lido por 66% dos jovens brasileiros entre 15 e 16 anos não passou de 10 páginas. Certamente, esse é o reflexo de uma geração hiperestimulada que consome vídeos com tempo máximo de 1 minuto e que trocou parágrafos por linha e até por palavras. Se por um lado, nas redes sociais, os adolescentes parecem ser engolidos por demasiadas informações, por outro esse acesso à informação é baseado em textos mais curtos e fragmentados, feitos para atender o algoritmo desses espaços virtuais.
Entretanto, verdade seja dita, existem outros fatores que colaboram para tamanha defasagem de leitura, como, por exemplo, a escassez de bibliotecas e a falta de estímulo à leitura, como conviver em espaços com leitores, seja em casa ou fora dela. Todavia, mesmo diante desse cenário desolador, temos um grande aliado nesse desafio de formar leitores: os Círculos de Leitura. Segundo Regina Zilberman, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde leciona Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, a experiência literária acontece na relação entre a inferência e a imaginação, posto que todo texto é lacunar, ou seja, todo texto literário possui em si espaços que são preenchidos pelo leitor, é, portanto, isso que faz com que o texto exista, pois só quando o leitor é capaz de dar significado ao texto é que ele passa a de fato existir.
Desse modo, enquanto leio, abro espaços imaginativos não somente para criar descrições dos personagens em minha cabeça, e por isso nenhum filme será melhor que a experiência do livro lido, afinal de contas ninguém bate nossa imaginação, mas, sobretudo, para dar sentido a esse texto relacionando-o às minhas próprias experiências, a outras leituras, aos filmes que vi, às músicas que ouvi, às conversas que tive. No entanto, esse processo de sentido se amplia quando partilho minhas impressões e ressignificações com outros leitores, estendendo a existência do texto para dimensões que a minha experiência individual não alcançaria, mas que coletivamente sou capaz de alastrá-la. Ora, se estamos considerando o leitor e suas possíveis interpretações sobre o texto literário como indispensáveis, torna-se evidente que a socialização dessas interpretações é quesito primordial para a efetivação desses processos. Logo, é neste sentido que os Círculos de Leitura se estabelecem como essenciais no processo de formação de leitores.
Os Círculos de Leitura, portanto, estimulam a leitura coletiva, a formação e a consolidação de uma comunidade de leitores, ou seja, conferindo um caráter social . Para Rildo Cosson, pesquisador do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da UFMG, os Círculos de Leitura apresentam três pontos relevantes da leitura em grupo: 1º ? “o caráter social da interpretação dos textos”. 2º ? “a leitura em grupo estreita os laços sociais, reforça identidades e a solidariedade entre as pessoas”. 3º ? “os círculos de leitura possuem um caráter formativo”.
As turmas do year 8 e year 9 desenvolveram no primeiro e segundo trimestre deste ano letivo Círculos de Leitura com o objetivo da criação e do fortalecimento de uma comunidade leitora através do partilhamento das impressões da leitura em uma perspectiva que valoriza o individual e o coletivo, compreendendo a leitura em sua função social. Em outro momento, os alunos foram estimulados a desenvolver objetos em 3D que representassem suas leituras e que, a partir desses objetos, apresentassem as histórias lidas para outros alunos com o intuito de também estimulá-los a lerem esses livros. Ao reelaborar com linearidade os aspectos essenciais das narrativas, os alunos precisaram preencher lacunas, aquelas que citamos anteriormente, com suas próprias leituras de mundo e com imaginação.
Diante das breves reflexões que levantamos nesse texto, só podemos compreender a leitura como a atividade humana capaz de abarcar em intensidade e efetivação tanto a subjetividade quanto a universalidade a partir de um fazer que inicia individual e solitário, mas que deve também ser vivido de forma coletiva, posto que atende a uma dimensão social. Para isso, torna-se indispensável o incentivo, estímulo e fortalecimento de uma comunidade leitora que inclua crianças maiores e adolescentes de forma constante, em ambiente escolar e em casa, propiciando o constante contato com os livros, as histórias e o compartilhamento dessas leituras e impressões. Afinal de contas, a leitura é uma atividade solitária, mas não precisa ser.
Esse texto foi escrito por Ms. Dapheny que é mestra e doutora em literatura e atua como professora de Língua Portuguesa do Y8 e Y9. Além disso, Ms. Dapheny gosta de ler, conversar sobre livros, assistir filmes e tomar banho de mar.